Fullmetal Alchemist Brotherhood - 2/10
Se fosse pra eu resumir meus problemas com Fullmetal, acho que minha maior reclamação seria a óbvia falta de foco da qual a série sofre em muitos momentos. Conheço quem defenda isso como um exemplo do bom uso de "pontos de vista múltiplos", do qual eu discordo plenamente, pois os ditos pontos de vista distintos dos personagens em questão não são bem explorados o suficiente para se justificarem; raramente temos algum tipo de introspectiva em relação ao psicológico do personagem no qual a série está focando no momento, muito menos aprendemos algo sobre eles que sejam de relevância para justificarem suas ações. Quero dizer, o que sabemos sobre o Ed ou o Al ao fim da estória, que não seja que eles recuperaram os corpos e tudo ficou bem sem eles precisarem passar por qualquer mudança?
E, falando em mudanças, este é outro problema que eu tenho com o anime. Nenhum personagem muda em nada ao longo da estória, e eu não falo apenas de desenvolvimento e progressão básicos, mas sim de mudança de atitude num geral; a grande maioria deles age do exato mesmo jeito ao longo da estória toda, com pouquíssimas exceções nos arcos do Scar, da Winry e talvez no do Greed, e meu problema com isso se deve ao fato desse tratamento que o anime dá aos personagens transformar eles mais em algo mais próximo de ferramentas de roteiro do que em personagens de verdade, e essa falta de organicidade na confecção do elenco cria uma distância entre o espectador e os personagens, de modo que uma relação íntima entre eles seja impossível.
Aproveitando que estamos falando em artificialidade, por que não falamos do timing cômico terrível e insultante que o anime faz questão de manter constante até o fim de sua duração? Se tem uma coisa que eu tenho pra elogiar em Fullmetal é a maneira excepcional como ele consegue construir uma atmosfera que transborda tensão em muitos casos, uma pena que ele tem a mesma capacidade em matá-la abruptamente dois segundos depois com uma comédia chibi que não só insultou minha inteligência enquanto eu assistia, como destruiu qualquer chance que eu tivesse de me importar com o que quer que seja que estivesse acontecendo no plot; afinal, que tipo de ameaça é tão insignificante que os personagens podem adotar uma postura infantil e retardada e começarem a se ofender de forma irônica em meio a uma situação de extrema tensão? Um exemplo claro disso, caso não se lembre de cenas assim, seria uma das inúmeras perseguições do Scar ao Ed, em que, enquanto Scar se aproxima para atacá-lo, Ed e Mustang se transformam em chibis e começam a discutir sobre tópicos fúteis, e que não adicionam em nada à trama ou aos personagens em questão em uma clara situação de vida ou morte. Sério, o que essa autora tem na cabeça?
Já me aproveitando do fato de ter comentado sobre a repetição absurda de situações, citando os frequentes confrontos de Ed vs Scar, gostaria de ressaltar a falta de criatividade com a qual o anime sofre; as situações são quase sempre as mesmas, as resoluções idem, e a alquimia em si mal tem uma personalidade ou distinção em relação aos poderes de outros shounens; na verdade, ela consegue negligenciar toda e qualquer criatividade que outro battle shounen teria com um sistema de poderes, já que todo alquimista faz a exata mesma coisa. Sério, eu duvido existirem mais que cinco variedades de poderes no anime, tudo se resume a fazer alguma coisa com cimento e derivados, o único poder minimamente criativo é o do Mustang, e ainda assim, é só "o poder de fogo genérico" que todo BS precisa ter. Tudo é muito repetitivo, sem uma identidade clara, e extremamente previsível num geral, além de ofensivamente inconsistente em certos aspectos.
E que suposta inconsistência é essa a que me refiro? Simples, toda a premissa da série, por si só, já é contra-intuitiva à sua suposta mensagem principal. Estamos falando de troca equivalente, certo? Como que, pra conseguir qualquer coisa, precisamos dar algo de igual valor, certo? Certo. Guarde esta linha de raciocínio. Seguindo para o começo da série, nos deparamos com a seguinte situação: dois irmãos perdem seus corpos através de um ritual proibido, um deles perdendo o corpo todo, enquanto o outro perde apenas sua perna. Para salvar seu pobre irmão mais novo, Edward sacrifica seu braço pela alma de Alphonse, e a sela em uma armadura. Agora, eu lhe pergunto, onde caralhos está a troca equivalente? Quer dizer que a alma do Alphonse é tão insignificante em comparação à do Edward que só um braço dele já basta para recuperá-la? Quer dizer que, como ser humano, o Edward tem mais valor que o Alphonse, a ponto da alma do irmão mais novo valer por apenas uma parte do corpo do mais velho? A não ser que este seja o caso, o que eu creio que não seja, Fullmetal está claramente indo de frente com sua própria proposta ao fazer isso, criando uma clara hierarquia favoritista dentro da própria lógica de seu tema. Mas o pior não é só essa lógica ser o que sustenta toda a série, mas ser trazida à tona durante aquele final extremamente insultante que a série proporciona, nos mostrando o próprio Al trocando sua alma pelo braço de Ed de volta; quero dizer, ele está admitindo que seu valor como ser humano e tudo que lhe mantem vivo é o mesmo de um mero braço? Isso é um tapa na cara do espectador, servindo apenas para demonstrar a natureza favoritista e a lógica falha nas quais a série se sustenta.
E, por falar no final da série, gostaria de comentar sobre como o mesmo é estúpido e incoerente com tudo que nos fora apresentado até agora pela estória. Quando o Pai consegue todo o poder para abrir a porta da verdade universal, e praticamente se tornar... bem, deus, o que ele decide fazer? Desintegrar todos que poderiam derrotá-lo com um estalar de dedos? Que nada, isso é para os fracos, ele só apaga a alquimia; porque, claro, ele é um deus onipotente, que pode materializar um sol na mão, mas não pode apagar tudo e todos que quiser da existência; ele é um deus onisciente, e mesmo assim não sabia dos planos de Hohenheim para reverter sua desativação da alquimia (o qual, mesmo tendo sido um sucesso, não impediria o Pai de apagar a alquimia novamente no momento em que quisesse); ele é um deus onipresente, e mesmo assim não pode lutar com todos que lhe desafiam, realizar seus planos e quem sabe tomar um chá das cinco enquanto isso. O que estou querendo dizer é que todo o poder do vilão principal é completamente negligenciado para podermos ver uma batalha final entre o elenco todo dos mocinhos contra a "raiz de todo o mal no mundo". (sarcasm mode: on) Quanta sutileza, hein? Que moralidade cinza admirável. Realmente uma obra-prima contemporânea (sarcasm mode: off).
Por fim, por que não falamos sobre como a decisão do Edward ao fim da série não é só extremamente conveniente, como executada de forma ridícula, ainda mais dentro do contexto da situação? Sua decisão de sacrificar a própria alquimia para salvar seu irmão mais novo, o que era para ser parte de um momento catártico e relacionável, me foi o cúmulo da estupidez da autora, que claramente não tinha controle nenhum sobre o tipo de estória que estava escrevendo. Porque, claro, supostamente o Edward percebeu que essa era a melhor decisão a se tomar após suas viagens e experiência ao longo da série, o que faria sentido; isto é, se a série se desse ao trabalho de nos colocar na cabeça dele em algum momento. Nós não temos como saber como ele chegou a esta conclusão, muito menos com inúmeras situações anteriores tendo contradito o próprio conceito da troca equivalente anteriormente na série; se tem uma coisa que eu creio que Fullmetal Alchemist: Brotherhood consegue fazer magistralmente é contradizer a si mesmo nos momentos mais importantes de sua estória, completamente demolindo qualquer chance de passar sua ideia principal, se tornando, não-ironicamente, cronicamente falho em praticamente tudo que tenta realizar.
Concluindo, eu considero Fullmetal Alchemist: Brotherhood uma obra mal-escrita, recheada de inconsistências e conveniências, sem o menor semblante de um foco tanto narrativo quanto temático, de índole pretensiosa e execução rasa, além de extremamente infantil e sem criatividade, que falha em passar qualquer tipo de mensagem relevante pela pura incompetência de sua autora, em não saber como passar um tema de uma maneira eficiente sem contradizê-lo constantemente, ou até mesmo por sequer saber o tipo de estória com a qual lidava.